Um dia eu precisei mudar a minha vida para cuidar melhor do meu trabalho e da minha família, para cuidar melhor de mim, da minha mente e do meu corpo, para ser exemplo para os meus filhos, para passar uma mensagem positiva para os que me acompanham e confiam em mim. Nessa mudança duas coisas foram fundamentais: parar de beber e correr.
Primeiro eram umas corridinhas, academia e funcional. Mas foi a corrida que mudou a minha vida. Fui encontrando gente diferente, cheias de boas energias, gente que se preocupa contigo não pelo que tu tens ou o cargo que ocupas, mas pelo simples te querer bem. Gente como o meu amigo “Mestre” Helso Ribeiro (ele é pós-doutor, mas na corrida chamam de mestre), poderia citar muitos outros, mas esse cara é realmente especial.
Comecei com corridas de 10km e logo vi renascer em mim o espírito competitivo do garoto que amava o voleibol. O espírito competitivo ressurgiu mais maduro, trazendo sensações mais permanentes, menos efêmeras. O que motiva não é mais chegar em primeiro, mas sim a sensação de superar os meus limites. A competição agora é comigo mesmo, com a minha mente e com o meu corpo. Agora o corpo de um homem de 40 anos.
Pronto. Mal cheguei aos 10km em menos de 1h, já queria uma meia-maratona (21km). Preparei-me pra ela. Foi um dos desafios mais difíceis, ainda estava pesado e treinava sério fazia menos de 1 ano. Cumpri a meia maratona em dezembro de 2012 (sobre a prova. http://www.corroatoa.com.br/?q=292-conteudo-50142-minha-primeira-meia-maratona).
Vi que podia mais. Planejei a maratona (42km) para 8 meses depois. Treinei com disciplina e entusiasmo. Em julho de 2013 corri a minha primeira maratona. Foi muito emocionante (sobre a prova http://www.corroatoa.com.br/?q=292-conteudo-48761-licoes-da-minha-primeira-maratona).
Durante o treinamento pra maratona, encontrei o triathlon e, tomado pelo espírito competitivo, lá estava eu fazendo umas provas curtas (750M de natação, 20km de ciclismo e 5km de corrida). Mais gente bacana, solidária. Eventos com organização impecável.
Após a maratona, passei a dividir o amor pela corrida, com a obrigação de pedalar e a tortura de nadar (gosto de nadar nas provas em águas abertas, mas treinar na piscina é tedioso para mim).
Um dia resolvi fazer uma prova de Iron Man 70.3. Ouvi muitas palavras de apoio na minha caminhada para a prova. Mas ouvi também o meu amigo Serafim me aconselhando a parar de presepada – depois ele me desejou boa sorte e torceu por mim (rsrsrs) – e o governador Omar Aziz, com bom humor, dizer que eu não completaria a prova, quando relatei a ele quais eram as distâncias. Eu estava determinado. Fui ao desafio.
Cruzei a linha de chegada depois 5:59:34 horas de prova, surpreendentemente, 1h abaixo do que planejei quando comecei a me preparar.
Mais importante foram as emoções que experimentei durante as quase 6h de prova. E é sobre elas que quero falar.
Sou sempre muito confiante nas provas que participo, mas confesso que estava muito receoso com esse desafio. O ciclismo me apavorava. Sempre pedalei mal e não treinara o suficiente para superar com tranqüilidade os 90km.
Felizmente, consegui dormi as 21h na noite anterior a prova, mas acordei as 3:15 da manhã. Fiquei na cama descansando, mas com a cabeça já na prova. As 5h da manhã, ainda escuro em Miami, tomei café, sai do hotel e fui para o local da prova (BayFront Park).
Chegando lá. O clima da prova já me contagiava. Milhares de bicicletas (mais de 3000) organizadas na área de transição. Procurando pelo meu número, localizei o 2099, onde já estava a minha bike (o check in da bike fora feito no dia anterior). Arrumei cuidadosamente tudo que precisaria para a prova. Sapatilha, meia, capacete e óculos escuro para o ciclismo. Tênis e viseira para a corrida. Ainda carboidrato em gel e umas barras de proteína. Tudo pronto. Fui dar uma volta na transição e aproveitar aquele ambiente novo e prazeroso para mim.
Havia muito nervosismo e ansiedade, mas a companhia dos amazonenses Alexandra, Silviane, Sherre (uma americana que adotamos no Amazonas) Nahim, Rodrigo, Ricardo, Alessandro Braga, aliava a tensão pré-prova.
(com minha amiga Alexandra Valente)
A largada é feita em ondas. Primeiro elite masculino. Depois elite feminino. Depois separados por faixa etária dos mais velhos para os mais novos, com divisão, dentro de cada faixa etária, por previsão de tempo. A primeira largada foi pontualmente as 7:25. Por volta de 8:20 chamaram a minha categoria e encontrei meu amigo Euler Filho, triatleta experiente em Iron Man. As 8:27h, no sexto grupo da faixa etária de 40 a 44 anos (previsão de tempo de 7h) larguei para os 1.9km de natação.
Senti-me bem desde o início da natação, mas dois problemas me incomodavam. O óculos novo que resolvi usar para prova deixava entrar água salgada no olho direito. Tentei duas vezes repor o óculos, como não consegui, segui em frente tentando não me irritar com isso. Incomodava também beber muita água salgada – o que me deu certo enjôo no final da natação e início do ciclismo.
Num determinado momento da natação comecei a passar vários atletas da largada anterior, supostamente mais rápidos que eu, e isso deu o ânimo para nadar forte na parte final da natação. Conclui em 37:20min., um pouco abaixo dos 40min planejados. A primeira parte da missão estava cumprida. Era correr o pequeno trecho de transição para iniciar o ciclismo.
Na transição, as palavras de incentivo do Neto (Presidente da Federação Amazonense de Triathlon). Chegando na bike encontrei novamente o Euler Filho e saímos juntos para pedalar.
Euler sugeriu que seguíssemos juntos, mas fiquei receoso – nunca havia pedalado mais que 50km e o desafio era de 90km – e disse pra que ele seguisse no seu ritmo que eu iria mais devagar.
Sentia-me pedalando bem, mas o velocímetro da bike não passava de 19 km/h. Achei que fosse o vento. Segui em frente decidindo não baixar de 17 km/h e nem passar de 20 km/h. O ciclismo tinha uma reta muito longa e um cara todo vestido de UFC – tinha pinta de lutador – toda vez que eu passava dele, acelerava e passava novamente de mim. Era irritante, mas eu mantinha o meu planejamento.
Agora, o mico da prova! Só ao fazer o retorno e ver a placa de 30 milhas percebi que o meu velocímetro estava marcando em milhas tanto a distância quanto a velocidade. Isso me fez sentir um bobo, mas me confortou. Já concluira metade da prova e com um tempo surpreendente. Nos primeiros quilômetros da volta o vento contra que maltratava, passou a ser aliado e a velocidade que ficava entre 17 e 19 (agora já sabia que eram milhas por hora) passou para 23 (tudo bem que eu não sabia converter, mas sabia que estava mais rápido). Isso durou pouco, Logo depois vento contra de novo. E o tal do UFC que continuava acelerando toda vez que eu passava dele.
Como estava calculando a distância em quilômetros, perceber que já tinha pedalado muito mais que imaginava, fez-me mais forte psicologicamente para a segunda metade da bike. Pedalei forte.
Passei pela minha amiga Alexandra Valente e foi quando descobri, por ela, que já percorrera 57km. Minha dor nos dedos do pé direito ficou insuportável. Tirei a sapatilha e fiquei pedalando com os pés sobre ela. Mas tive que parar para recolocar a sapatilha, o que me custou 1 ou 2 minutos.
A poucos quilômetros do final do ciclismo reencontrei o Euler Filho e isso me fez perceber o quanto eu havia pedalado forte. Passei por ele e retribui o chamado para que fossemos juntos nos 5km finais. Conversamos um pouco sobre a alegria da superação, ele perguntou se a minha família estava lá comigo e pedalamos forte na reta final. Chegamos juntos após 2:59:35 horas, surpreendentemente, 1h a menos que as 4hs planejadas. Segunda etapa cumprida.
Faltava os 21km de corrida. Quando tirei a sapatilha já senti o aviso de cãibras. Hidratei. Alimentei com um pedaço de uma barra de proteína. Um gel de carboidrato. Calcei o tênis. E sai pra corrida. Mais uma vez junto com o Euler Filho.
Como os avisos de cãibras eram intensos, fiquei um pouco pra trás. Sentia-me forte, mas as pernas estavam muito desgastadas pelo ciclismo. Segui muito lento. No meio da corrida havia uma ponte. E na ponte uma subida dura na ida e outra na volta. Seriam 2 voltas. Portanto, 4 subidas duríssimas para quem já tinha nadado e pedalado. Mas eu não fui pra lá pra desistir. Quer dizer, desistir é uma palavra que tirei do meu vocabulário quando comecei a correr.
Já na primeira subida, fortes cãibras, tanto na parte anterior como na posterior da coxa. Impossível alongar, porque o alongamento de um músculo gerava a contração de outro. Caminhei um pouco.
Nesse momento percebi que dali em diante a cabeça era muito mais importante que o corpo. Era ela que me levaria até o final da prova. Pensei em como chegara até ali. Nas decisões que tomei para que fosse capaz de testar os limites do meu corpo. Pensei que naquele momento testava também os limites da minha alma, da minha capacidade de superação. Agradeci a Deus. Pensei no homem que no ciclismo levava um jovem com paralisia cerebral no triciclo acoplado à bike (achei que fossem pai e filhos, eram irmãos – escrevi sobre isso http://corroatoa.com.br/?q=292-conteudo-50097-irmaos-nao-pesam). Pensei na minha família. Nos meus filhos. Pensei na missão que cumpro na vida pública e que também não me permite desisti.
Na corrida e na vida eu não tenho o direito de desistir. Eu seguiria em frente e se não tivesse forças para acabar a prova por mim, acabaria por todos que amo nessa vida. Eu estava forte novamente.
Mesmo com muitas dores, segui na corrida, controlando para que as cãibras não chegassem ao insuportável e me fizessem parar de vez. Poupava muito nas subidas e aumentava um pouco o ritmo nas descidas e no plano. Muita hidratação. Muito gel de carboidrato. E muita, muita força mental. Conclui a primeira volta (10,5km). Nesse momento me agigantei psicologicamente ao perceber que poderia fazer a prova em menos de 6h, uma hora a menos que meu planejamento inicial de 7h, e 30min a menos do pensava ser o melhor dos cenários de 6:30h.
Corri dali em diante com a cabeça e o coração. E quanto mais aproximava do final e eu percebia que era possível fazer menos de 6h, mais esse objetivo tornava-se uma obsessão para mim. Cruzei com o Rodrigo que estava concluindo a sua primeira volta e falamos de superação. Não sei com que forças, mas acelerei bastante no final. Cruzei a linha de chegada. A corrida em 2:14:46 horas , 14 min acima das 2h planejadas.
Em êxtase, ouvi distante o locutor anuncia “Congratulations, Sr. Rodrigues, Brazil”.
Completei a prova em 5:59:34. Eu era um Iron Man. E de quebra sub-6h.
As dores guardadas por 21km de corrida, surgiram com força. Mas dessa vez foi à felicidade que transbordou e devolveu a dor para um cantinho escondido do meu corpo.
O que é o impossível? O impossível é o que você não tentou ou não se dedicou o suficiente para realizar. Sou mais forte após essa experiência. Mas forte para os desafios da família, da vida, da política. Sou um homem melhor.
(Quer ficar magro? O Iron Man te deixa assim. Isso não é photoshop. Isso é logo depois da quase 6h de prova no triathlon iron man.)
Sempre disse que nunca faria o Iron Man inteiro (3.8km de natação, 180km de ciclismo e 42km de corrida). Não resisti! Não sei mais viver sem desafios! Em 2015 estarei lá. Podem aguardar!